domingo, 23 de dezembro de 2012

BILAC NA REDE

BILAC NA REDE

Hermance Gomes Pereira



                   Quem tem o hábito de navegar pela rede mundial de computadores e freqüenta sítios de relacionamento, com certeza já se deparou com as insuportáveis e recorrentes mensagens ilustradas com peixinhos, anjinhos, florzinhas e outras bobagens. Estou convencido que tenho uma atração especial para esse tipo de mensagem. Por mais que deixe claro que não gosto, não abro, não baixo, não leio e não clico, continuo a receber várias , diariamente. Há quem diga que é carma.
                   Diante de tanta asneira circulante, eu e outros infelizes navegantes, resolvemos divulgar poesia. Sim , poesia. Nada melhor que bons poemas para iniciar a semana. Rapidamente surgiram adeptos: magistrados, professores, amigos e alguns outros, gente que gosta de ler, afeita aos livros. Até uma comunidade foi fundada sob o título: Eu espalho poesia.
                   Virou festa. Foi uma beleza: de repente começaram a espocar nas caixas de correio e páginas de recados Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima, Fernando Pessoa – os paraibanos Augusto dos Anjos e Sérgio de Castro Pinto eram presenças constantes. A corrente poética crescia e, semanalmente, dezenas de amigos compartilhavam composições dos grandes poetas de língua portuguesa.
                   Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac ainda não tinha sido lembrado por ninguém. Não se sabe ao certo se a omissão deu-se em razão de certa rejeição ao parnasianismo, que o tinha – ao lado de Alberto de Oliveira e Raimundo Correia – como expoente máximo , ou, por simples esquecimento mesmo. O fato é que foi desencavado um soneto surpreendente de  Bilac. O “príncipe dos poetas brasileiros” era, quem diria, meio safardana:
Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci....


                   O autor de “Via Láctea” e “Profissão de fé” onde foi codificado  o seu credo estético, marcado pelo culto do estilo, pureza da forma e da linguagem e simplicidade como resultado do lavor, tinha, aparentemente, seus momentos de fraqueza. Humano, afinal. Aliás, Bilac tinha dessas coisas: sem jamais ter passado no portão de um quartel, foi o maior incentivador do serviço militar obrigatório no Brasil, ao ponto de ser considerado “Patrono do Serviço Militar”. Ou seja, nos olhos dos outros, pimenta é refresco.
                   Rapidamente o poema foi divulgado pelo canal habitual. Alguns riram, outros ficaram surpresos com a “saliência” do poeta, mas todos gostaram. Quase todos.
                   Dias depois, inopinadamente, sou abordado por um enfezado marido em crise de ciúmes. De bom alvitre é esclarecer que, a essa altura, mais de trinta pessoas já recebiam os poemas eletronicamente, e , entre elas, estava essa amiga, esposa do colérico  inquisidor. Leitora voraz, entretanto, em matrimônio vigente com cônjuge de poucas luzes. “Que onda é essa de mandar cantada pela internet para minha mulher?” Perguntou o pobre homem, mostrando-me o poema impresso.
                   Tamanha foi a surpresa, diante do inusitado, que, com a simplicidade dos inocentes apenas argumentei: “Mas, esse texto não é meu, é de Bilac”. “E quem é esse Bilac, mora aonde esse safado?” retrucou. “Bem, eu soube que ele morava no Rio de Janeiro”. “Se ele morasse aqui, eu ia lá” respondeu e partiu, danado da vida. Não fosse baixote e esquálido o furibundo esposo, o risco seria evidente. Passado o episódio, depois de longa casquinada, pelo sim, pelo não, por enquanto, decidiu o grupo não postar nada da poesia fescenina de Bocage.

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