terça-feira, 21 de maio de 2013


"Nota sobre Cálice"
Por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello

Este é mais um exemplo de letra contra a censura, predominante entre nossos compositores à época (1973) em que a canção foi criada. Na verdade, "Cálice" destinava-se a um grande evento promovido pela PolyGram, que reuniria em duplas os maiores nomes de seu elenco, e no qual deveria ser cantada por Gilberto Gil e Chico Buarque. No livro Todas as letras, Gil narra em detalhes a história da canção, a começar pelo encontro inicial dos dois no apartamento em que Chico morava, na Lagoa Rodrigo de Freitas, ocasião em que lhe mostrou os versos que fizera na véspera, uma sexta-feira da Paixão. Tratava-se do refrão ("Pai, afasta de mim este cálice / de vinho tinto de sangue"), uma óbvia alusão à agonia de Jesus no Calvário, cuja ambigüidade (cálice / cale-se) foi imediatamente percebida por Chico. Gil levara-lhe ainda a primeira estrofe ("Como beber dessa bebida amarga / tragar a dor, engolir a labuta / mesmo calada a boca, resta o peito / silêncio na cidade não se escuta / de que vale ser filho da santa / melhor seria ser filho da outra..."), lembrando a "bebida amarga", uma bebida italiana chamada Fernet, que o dono da casa muito apreciava e sempre lhe oferecia, enquanto "o silêncio na cidade não se escuta" significava que "no barulho da cidade não é possível escutar o silêncio", ou "não adianta querer o silêncio porque não há silêncio", ou seja, metaforicamente: "não há censura, a censura é uma quimera", pois "mesmo calada a boca, resta o peito, resta a cuca". Deste e mais outro encontro, dias depois, saíram a melodia e as demais estrofes, quatro no total, sendo a primeira e a terceira ("De muito gorda a porca já não anda...") de Gil, a segunda ("Como é difícil acordar calado...") e a quarta ("Talvez o mundo não seja pequeno...") de Chico. No dia do show, quando os dois começaram a cantar "Cálice" desligaram o microfone. "Tenho a impressão de que ela tinha sido apresentada à censura, tendo-nos sido recomendado que não a cantássemos, mas nós fizemos uma desobediência civil e quisemos cantá-la", conclui Gil. Irritadíssimo com o microfone desligado, Chico tentava outro mais próximo, que era cortado em seguida, e assim, numa cena tragicômica, foram todos sendo "calados", impedindo-o de cantar "Cálice" até o fim. Liberada cinco anos depois, a canção foi incluída no elepê anual de Chico, com ele declarando que aquele não era o tipo de música que compunha na época (estava trabalhando no repertório de "Ópera do Malandro"), mas teria que ser registrado, pois sua tardia liberação (juntamente com "Apesar de Você" e "Tanto Mar") não pagava o prejuízo da proibição. Na gravação, as estrofes de Gilberto Gil, que estava trocando a PolyGram pela WEA, são interpretadas por Milton Nascimento, fazendo o coro o MPB 4, em dramático arranjo de Magro."

Fonte: Livro 85 anos de Música Brasileira Vol. 2, 1ª edição, 1997, editora 34

terça-feira, 14 de maio de 2013


Casal homossexual poderá casar em cartório, decide CNJ

Conselho também obriga cartório a converter união estável em casamento. Para Barbosa, medida visa dar efetividade à decisão de 2011 do STF.
14/05/2013 10h03 - 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nesta terça-feira (14), por maioria (14 votos a 1), uma resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrarem o casamento civil e converterem a união estável homoafetiva em casamento. Os cartórios não poderão rejeitar o pedido, como acontece atualmente em alguns casos. A decisão do CNJ poderá ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o presidente do CNJ e autor da proposta, Joaquim Barbosa, a resolução visa dar efetividade à decisão tomada maio de 2011 pelo Supremo, que liberou a união estável homoafetiva.
Conforme o texto da resolução, caso algum cartório se recuse a concretizar o casamento civil, o cidadão deverá comunicar o juiz corregedor do Tribunal de Justiça local. "A recusa implicará imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para providências cabíveis."
A decisão do CNJ valerá a partir da publicação no "Diário de Justiça Eletrônico", o que ainda não tem data para acontecer.
Reportagem publicada pelo G1 nesta terça mostrou que, no último ano, pelo menos 1.277 casais do mesmo sexo registraram suas uniões nos principais cartórios de 13 capitais, segundo levantamento preliminar da Associação de Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR).
Atualmente, para concretizar a união estável, o casal homossexual precisa seguir os trâmites em cartório. Até agora, para o casamento, eles pediam conversão da união estável em casamento e isso ficava a critério de cada cartório, que podia ou não conceder. Agora, a conversão passa a ser obrigatória - a decisão será administrativa, dentro do próprio cartório. O cartório, embora órgão extrajudicial, é subordinado ao TJ do estado.
O casamento civil de homossexuais também está em discussão no Congresso Nacional. Para Joaquim Barbosa, seria um contrassenso esperar o Congresso analisar o tema para se dar efetividade à decisão do STF. "Vamos exigir aprovação de nova lei pelo Congresso Nacional para dar eficácia à decisão que se tomou no Supremo? É um contrassenso."
De acordo com Barbosa, a discussão sobre igualdade foi o "cerne" do debate no Supremo. "O conselho está removendo obstáculos administrativos à efetivação de decisão tomada pelo Supremo e que é vinculante [deve ser seguida pelas instâncias inferiores]."
Recurso 
A decisão pode ser questionada no STF. Nesse caso, pode ser feito por meio de um mandado de segurança, tipo de ação que é feita para questionar ato do poder público.
O processo seria distribuído para algum ministro relatar, e o interessado poderia solicitar suspensão da resolução por meio de liminar (decisão provisória). Nesse caso, o relator decidiria entre suspender provisoriamente ou levar direto para discussão no plenário.
União estável x casamento civil 
Segundo Rogério Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), união estável e casamento civil garantem os mesmos direitos sobre bens. Nos dois casos, há um contrato assinado em cartório. A diferença é que, pela união estável, o cidadão continua solteiro no estado civil.
"Atualmente, se os direitos são estabelecidos no contrato, é a mesma coisa que um casamento. Se convenciona o que cada um tem dever, que os bens adquiridos antes e durante não comungam (se dividem) ou se todos os bens comungam."
Ao abrir uma conta bancária, por exemplo, um cidadão oficialmente solteiro, mesmo que tenha união estável, não precisa indicar os dados do companheiro. Já no caso do casado, precisa.
"O casamento é uma união formal. É possível se estabelecer comunhão parcial, comunhão total ou separação parcial. Mas se houver um contrato, a união estável dá os mesmos direitos."
Em maio do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito da união estável para casais do mesmo sexo. A decisão serve de precedente para outras instâncias da Justiça.

Fonte: Atualizado em 14/05/2013 10h44
Por Mariana Oliveira
Do G1, em Brasília