domingo, 6 de janeiro de 2013

CONSELHEIROS E ASSESSORES

Hermance Gomes Pereira



                        Há tempos que assessores prestam valiosos serviços aos graúdos de diversas atividades humanas. O valor de um bom assessor é reconhecido pelos assessorados. Eles cuidam da agenda, dão consultoria, fazem trabalho burocrático e poupam o precioso tempo do chefe, que assim, dedica esse saldo temporal às questões mais importantes.
                        Não seria possível ao Don Quixote de La Mancha, por exemplo, envidar tanta energia no combate aos moinhos de ventos não fora a competente assessoria de Sancho Pança. O simplório gorducho era pragmático, e resolvia as pendengas do dia a dia, desde pernoites em estalagens e refeições, até a forragem dos animais. O ilustre fidalgo ficava, assim, livre das misérias e questiúnculas cotidianas. Pensava em Dulcinéa e espetava a lança no moinho mais próximo.
                        Aqui no Brasil, o hábito da assessoria começou cedo. Diz o historiador Eduardo Bueno que, tão logo instaurado o Governo Geral – após o fracasso do sistema de Capitanias Hereditárias – os assessores já foram devidamente nomeados e começaram a perceber os merecidos salários. O primeiro magistrado que aportou por estas bandas, Pero Borges – que havia exercido o cargo de Corregedor da Justiça em Elvas, no Alentejo, trouxe uma dúzia de funcionários para fazer funcionar a máquina do Judiciário na nova terra. Entre eles, o escrivão Brás Fernandes (40 mil reais por ano) e o meirinho Manuel Gonçalves (20 mil reais anuais). As Ordenações Manuelinas começaram a ser obedecidas. Pelo menos em tese. Diziam as más línguas que os processos não tinham fim, e talvez fosse melhor assim mesmo, pois “as sentenças eram tão arbitrárias que se se executam, têm na execução muito maiores desordens.”
                        Passados os tempos de Colônia, encontra-se no Primeiro Império marcante assessor. O Brasil estreava como país independente, e tinha seu primeiro governo autônomo. D. Pedro I não podia prescindir de assessores competentes para o árduo trabalho de fundar uma nação.
                        Nesse contexto surge a curiosa figura de Francisco Gomes, o Chalaça.
                        Era este senhor Gomes um português sem eira nem beira, que tentava a sorte no Brasil. Na vida de aventureiro em busca da fortuna, conheceu o jovem imperador numa taberna da mais baixa extração. Daí por diante, sua vida mudou por inteiro. O imperador afeiçoou-se ao homem mais velho, por seu cinismo e praticidade, e colocou-o sob sua proteção.
                        O desconhecido senhor Gomes transformou-se no Conselheiro Gomes, e recebeu da corte o apodo de Chalaça. Transformado em Conselheiro Imperial, Chalaça exerceu com galhardia suas funções, por mais insólitas.
                        Era o Chalaça o encarregado de descobrir mulheres para o imperador, intermediar os encontros, ocultar as provas dos olhos da imperatriz, e, quando necessário, apaziguar maridos e recompensar regiamente pais furiosos. Dotado de invulgar ceticismo, Gomes encarava com naturalidade sua atribuições, e não deixava de aproveitar, quando podia, os sobejos imperiais.
                        Existem algumas biografias publicadas sobre o tal Conselheiro, porém, nenhuma melhor que a de José Roberto Torero : Galantes Memórias e Admiráveis Aventuras do Virtuoso Conselheiro Gomes, o CHALAÇA (Ed. Objetiva, Rio de Janeiro).
                        Tratam-se de memórias romanceadas, com reconstituições livres – sem qualquer rigor científico (aliás, rigor científico não é a proposta do autor) de situações e diálogos absolutamente verossimilhantes. Resta evidente que o autor fez extensa pesquisa em torno da personagem histórica, mas, reconstituiu trechos de sua vida com liberdade literária.
                        E haja liberdade, o livro começa com um texto de apresentação do próprio D. Pedro I, devidamente “psicografado”. Diz o Imperador sobre seu assessor: “Houve quem o chamasse de alcoviteiro e safardana, mas tais acusações não passam de calúnias. Se o Chalaça – era esse seu apelido – conseguiu ascender de simples serviçal a um dos homens mais influentes do Império Brasileiro, isso aconteceu principalmente graças à sua privilegiada inteligência. Além de habilidoso conselheiro, este meu grande companheiro foi também um brilhante filósofo, conforme demonstram algumas de suas teorias que aqui estão. Como exemplo cito aquela na qual ele estabelece a profunda relação entre o fluxo sangüíneo e o funcionamento do cérebro no momento da cópula, o que explica tantas e tantas atitudes masculinas.”
                        O Chalaça acompanhou D. Pedro I no auge e na queda. Com ele retornou a Portugal depois da abdicação, com ele combateu na guerra contra o usurpador D. Miguel. É bem verdade que procurou ficar longe dos combates mais sangrentos. A restauração do trono português com a vitória dos legalistas e início do reinado de Dona Maria II, parecem ter liquidado com as últimas forças de D. Pedro I (D. Pedro IV em Portugal). Antes de morrer, porém, deixa o Chalaça como procurador de seus filhos menores. Prova inequívoca de confiança.
                        Sempre zeloso de suas responsabilidades, o Chalaça acaba por casar com a bela e jovem viúva, ex-imperatriz do Brasil, Duquesa  Amélia de Leuchtenberg. Como disse D. Pedro, “um maganão, esse Chalaça”.
Retrato do Conselheiro Francisco Gomes da Silva, "O Chalaça". Óleo sobre tela, Séc. XIX , Museu Histórico Nacional, autor desconhecido.

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